3/03/2006

E pra Internet, como é que faz? + A idade do layout lascado

Não dá pra falar de propaganda interativa sem esbarrar no papel dos publicitários, não só dos que estão hoje no mercado mas também das centenas que se formam e/ou entram no mercado a cada ano. Os desafios estão se tornando maiores, e mais do que talento e trabalho, é necessário fôlego pra acompanhar e sobreviver no nosso mercado. Reuni dois textos que tratam muito bem esse assunto. São textos escritos por duas pessoas que provavelmente não se conhecem, não "combinaram o jogo", mas nunca vi dois textos se complementarem de forma tão perfeita (ah, existe até uma mesma expressão escrita nos dois textos... sinistro...) O primeiro é de um grande amigo, Eduardo "EduJohn" Vieira, escrito especialmente para esse blog. Depois que eu li seu trabalho de graduação em publicidade do fim de 2004, pedi pra ele detalhar um ponto em que ele falava sobre desafio dos atuais publicitários com a crescente demanda pela interatividade na comunicação. O outro texto recebi há uns poucos dias atrás por e-mail e também fala desse momento de mudança, mas é na verdade um relato de uma experiência vivida pelo Anselmo Ramos, redator da Lowe em Nova Iorque, e publicado no site do Clube de Criação de São Paulo. Se achar longo demais esse post, imprima, mas não deixe de ler e refletir... vale a pena. ----------------------------------------- E PRA INTERNET, COMO É QUE FAZ? - Eduardo Vieira "Percebo que as discussões sobre Internet evoluíram bastante 'no meio' - grandes agências, produtores e raríssimos iluminados anunciantes - mas continuam incipientes nos outros 70% do mundo publicitário brasileiro, incluindo a massa corporativa. Não que essas pessoas não percebam a importância da revolução técnico-social-econômica em curso, ninguém pode se dar a esse luxo. O que quero dizer é que noto pouquíssima informação atualizada sobre propaganda interativa NO DIA-A-DIA da realização das campanhas, pouco debate no ambiente de trabalho, pouca gente capacitada para colocar idéias novas em prática. O resultado disso são sites-panfleto, banners no iG e zilhões de spam, Internet na Idade da Pedra. E se está difícil fazer propaganda interativa de verdade para web, imagina utilizando celular, videogames, redes wi-fi, etc. Temos uma grande quantidade de profissionais e estudantes vivendo essa nova realidade de mídias convergentes, mas que foram (ou são) educados para pensar majoritariamente sobre os meios tradicionais em seus formatos tradicionais. Na real, me diga quantos mídias no Brasil, ao pensar em sua estratégia para rádio, pensam também em podcast? O grande desafio para o publicitário formado nesse novo contexto é adaptar seu aprendizado sobre comunicação para uma produção adequada à nova realidade. Apenas para contextualizar minha visão sobre que seria essa “nova realidade” - as principais características da comunicação na Sociedade em Rede - permito-me copiar uma síntese da minha monografia: • Convergência, é a característica fundamental dos novos meios, tanto pela integração tecnológica quanto pela interligação de experiências. Leva em consideração a construção de novos meios sob o novo paradigma tecnológico e o rearranjo das mídias estabelecidas diante desse cenário; • Ubiqüidade, representa a união de mobilidade com imediatismo, é a libertação da comunicação das convenções de tempo e espaço; • Interatividade, dá o poder de criação, modificação e compartilhamento do conteúdo aos usuários das mídias digitais. Essas são as características fundamentais dos meios de comunicação na sociedade informacional. Mas a implementação desses meios deve observar como premissa a confiabilidade, segurança e respeito à privacidade; a busca por familiaridade e facilidade de uso; gestão adequada da informação de forma a ser facilmente disponibilizada e que o conteúdo seja relevante. Quanta coisa pra pensar além de lay-out/chamada, não? Acredite, a lista é muito maior, mas citá-la não é o objetivo desse post. Dando uma olhada rápida nas consideradas faculdades top (ESPM, Faap, Cásper Lìbero) é possível ver como esse assunto parece longe das salas de aula. Eu diria, com certa precisão, que o mesmo deve acontecer nos melhores cursos de pós-graduação ou MBA. Já que pouquíssimos cursos capacitam as pessoas para pensar novas formas de fazer comunicação (reforma curricular já!), qual é a possível saída? Google it: vasculhar sites e livros, listas de discussão e blogs como esse =P. Mas indo um pouco além dos conteúdos que devemos discutir e sobre os quais devemos buscar informação, faço abaixo uma listinha de três comportamentos que devem compor um profissional mais antenado com propaganda interativa, convergente e ubíqüota. Esses comportamentos, ao meu ver, são verdadeiros diferenciais e são muito mais eficazes para realizar trabalhos legais que conhecer jargões da moda “no meio”. DE FORMA ALGUMA essa lista é um manual do tipo “100 dicas de Sucesso”. São apenas idéias que eu tive cá com meus botões para incitar o debate nesse blog. Que ele seja realmente interativo assim! 1. Uma dose de subversão é fundamental. A comunicação está sendo, de certa forma, recriada e por isso gente criativa e ousada é muito importante. Será que é possível fazer uma propaganda interativa no jornal em papel? Por quê não? Há até um nome para isso em inglês, remediation, que seria a “lógica formal sob a qual novas mídias remodelam mídias primárias” (Bolter e Grusin, Remediation:272) 2. Pensar de forma sistêmica e não cartesiana. A convergência integra diferentes momentos de contato da empresa com o cliente e ajuda a aproximar as linguagens de persuasão, de atendimento, de informações para compra e de comunicação institucional. Assim, o publicitário deve ser muito mais que o profissional que escolhe os melhores meios e o melhor discurso para a publicação de uma campanha. Ele deve adquirir um perfil gerencial da comunicação, atuando desde a concepção dos produtos/serviços (ex.: lay-out do iTunes) até as ações de pós-venda e o estabelecimento de relacionamento com os clientes. Esse profissional tem o papel de gerar para a empresa que trabalha a melhor comunicação integrada de marketing dentro de seus objetivos. 3. Foco no cliente final. Essa é velha, mas quero discutir aqui coisas de comunicação. A interatividade coloca o usuário como o centro da informação. Ele não é mais o espectador passivo, já que constrói o conteúdo em conjunto ao meio e determina quando, com o que e como quer interagir. A ubiqüidade da informação e a mobilidade dos aparelhos invertem a percepção clássica da mídia de massa, onde o indivíduo dispõe seu tempo e espaço para receber uma informação de uma programação engessada. Nesse novo contexto a informação deve estar acessível a qualquer momento e em qualquer lugar. Além disso, a grande quantidade de conteúdo e ferramentas disponíveis retoma o indivíduo como o foco da informação, pois ele volta a ter controle do que quer ler/ver/interagir/criar, uma liberdade assustadora para os publicitários. Esse comportamento leva a duas coisas. A primeira é que a mídia hoje é parte da expressão das pessoas. Os acessórios tecnológicos de comunicação, as comunidades do orkut que participa, o blog que escreve, os sites que indica são partes constituintes da expressão pessoal junto às roupas, acessórios físicos, preferência por cachorro ou gato. A segunda é o déficit de atenção humana, quantitativamente e qualitativamente. Com a infinidade de informações disponíveis em todos os lugares, fica difícil chamar a atenção de alguém, certo? Foco no cliente, nesse sentido menos marketing e mais comunicação, é estar efetivamente consciente do que a comunicação representa como um todo para seu público-alvo. Como ele se comunica?" ----------------------------------------- A IDADE DO LAYOUT LASCADO - Anselmo Ramos "Um minuto de silêncio por favor para a dupla de criação. Esse conceito tão ultrapassado, tão démodé, tão assim anos 80. Valeu, Bill. Os ilustradores vão ser eternamente gratos por terem saído detrás da prancheta e daquele cheiro forte de cola de benzina e terem tido a honra de trabalhar ao lado dos poetas. Há vários sinais que indicam que a dupla já morreu. E só esqueceram de enterrar embaixo de um monte de anúncio reprovado. Em novembro passei duas semanas em Londres participando de um brainstorm para a próxima campanha global da linha N-Series da Nokia. Convidaram algumas pessoas de cada agência do Grupo Interpublic: Lowe, Jack Morton, Draft, R/GA e outras. Todos muito talentosos, mas fiquei impressionado principalmente com o pessoal da R/GA. As agências tradicionais acham que os internáuticos passam o dia soltando códigos indecifráveis de HTML, fazendo uns banners mutcho loucos e adaptando a idéia brilhante que a dupla de criação teve enquanto almoçava naquele lugar onde outras duplas também almoçam. Confesso que depois de trabalhar lado a lado com a R/GA me senti na Idade do Layout Lascado. Sugeria idéias paleolíticas que incluíam bisontes e mamutes, enquanto friccionava dois pauzinhos, em vão. Para começar, eles têm um domínio da tecnologia que é irritante. Como eles dizem por aqui, “it’s a second nature”. Tá no sangue. Eu tenho que fazer um esforço sobre-humano para acompanhar o que tá rolando. Leio a Wired, compro o iPod video, entro no Engadget. Eles não. São patinhos que já nascem sabendo nadar. Um deles tinha um Nintendog de estimação. Até aí, tudo bem. Porque nós, das chamadas “agências tradicionais” (notem como o próprio termo com o qual definem nossa categoria já é pejorativo), pelo menos ainda dominamos o campo das idéias, certo? A gente é criativo pacas, sabe fazer aquela piadinha no final, certo? O problema é que eles sabem fazer exatamente o que a gente faz. Mas vão além. Porque eles têm a capacidade de pensar na marca como um todo. De juntar uma estratégia de comunicação completa com o melhor que a tecnologia pode oferecer. Um elo perdido entre Philip Kotler e Star Trek. Mas chega de falar da R/GA que esse artigo não é sobre eles. É sobre nós, criativos antiquados, e nossa lenta e agoniante morte. Algumas agências já entenderam isso. O melhor exemplo, claro, é a Crispin Porter + Bogusky. E eu não aguento mais ouvir cliente pedir uma campanha “tipo Crispin” com aquele olhar por cima do óculos que diz “será que vocês conseguem ou eu vou ter que dar minha conta pra Crispin também?” Já posso ver a manchete do Adweek: Brazilian Creative Hits Junior Client With PowerPoint Projector. A Lowe New York está tentando mudar isso. A nova direção de criação é uma trinca, formada pelo John Hobbs (arte), Peter Rosch (copy) e a Fernanda Romano (internet). É um bom começo. A pergunta que não quer calar é a seguinte: quem vai ser o primeiro a entender esse fenômeno, no Brasil? Uma agência tradicional ou uma agência de internet? E não só entender, mas principalmente passar do discurso pra prática? Os fatos estão aí. Não há como negá-los por muito tempo. O consumidor mudou. A mídia mudou. Mudaram tanto que o consumidor chega a criar o conteúdo da própria mídia. Como na Current TV (current.tv), o canal onde 50% da programação é gerado pela audiência, incluindo vinhetas e comerciais. Assustador. O Brasil tem uma grande vantagem. Nós podemos pular mais de uma década de birôs de mídia e já pegar a nova onda de “360 degrees”, “brand content” e “total engagement”. Basta manter a mídia dentro da agência e vender espaços na cabeça do consumidor em vez de espaços em veículos. Oferecer grandes idéias em vez de grandes descontos. Ser inovadora em vez de atravessadora. Como aquela agência que eu me recuso a dizer outra vez o nome. O Brasil pode fazer como a China, que foi pro DVD sem passar pelo VHS. Ou melhor ainda, ir direto pro HDVD. A primeira dupla que entender isso não vai morrer nunca. Até porque provavelmente não vai ser uma dupla. Vai ser um trio ou um quarteto. Vindo de algum lugar do futuro, montado num leão de titânio."

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

10/3/06 00:06  

Postar um comentário

<< Home